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quinta-feira, 30 de janeiro de 2014

LASSE SODERBERG

A ERVA DE MANÁGUA

I

Um rebanho de ruínas pastando
em metade da cidade, pareceu-me.

A erva crescia ali como o cabelo dos mortos.
Tinha a sua história a contar.

Sentei-me a escutar
como se pela primeira vez.

Aproximaram-se crianças com as mãos vazias,
privadas dos seus pais, escuros.
Pareciam a erva queimada
sob a qual cresce a nova.
Ali havia também homens e mulheres,
silenciosos, sérios como raízes.

E todos escutavam, pareceu-me,
como se pela primeira vez.



II

O lugar em que me encontrava
era o intervalo coberto de erva,

o ponto entre duas épocas,
ambas existentes,

uma sem começo real,
outra sem fim real

e do mesmo modo me encontrava eu
no meu próprio ponto de ruptura

em que estava dividido em duas partes,
as duas como estranhas uma da outra

e no entanto vivas no mesmo alento.
Mas aqui, entre o nascido e o por nascer

era um testemunho incerto,
eu mesmo erva entre as ruínas.


III

O que nada é, será.
O que nada foi, é.

Sussurros, rabiscados com pressa
na erva, regressaram à sua penumbra

Por toda a parte havia seixos
como excrementos deixados pelas ruínas,
que lentamente se iam distanciando,
pareceu-me, enquanto os homens,

as mulheres, as crianças permaneciam
sem mover-se, inflexíveis

como a grade do silêncio
armados de doçura.

A cinza que vi nas suas mãos
era o princípio do país.

Slottet la Coste ligger i ruiner, 1990
 
 
retirado do blogue do Amadeu Baptista

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