I
Um rebanho de ruínas pastando
em metade da cidade, pareceu-me.
A erva crescia ali como o cabelo dos mortos.
Tinha a sua história a contar.
Sentei-me a escutar
como se pela primeira vez.
Aproximaram-se crianças com as mãos vazias,
privadas dos seus pais, escuros.
Pareciam a erva queimada
sob a qual cresce a nova.
Ali havia também homens e mulheres,
silenciosos, sérios como raízes.
E todos escutavam, pareceu-me,
como se pela primeira vez.
II
O lugar em que me encontrava
era o intervalo coberto de erva,
o ponto entre duas épocas,
ambas existentes,
uma sem começo real,
outra sem fim real
e do mesmo modo me encontrava eu
no meu próprio ponto de ruptura
em que estava dividido em duas partes,
as duas como estranhas uma da outra
e no entanto vivas no mesmo alento.
Mas aqui, entre o nascido e o por nascer
era um testemunho incerto,
eu mesmo erva entre as ruínas.
III
O que nada é, será.
O que nada foi, é.
Sussurros, rabiscados com pressa
na erva, regressaram à sua penumbra
Por toda a parte havia seixos
como excrementos deixados pelas ruínas,
que lentamente se iam distanciando,
pareceu-me, enquanto os homens,
as mulheres, as crianças permaneciam
sem mover-se, inflexíveis
como a grade do silêncio
armados de doçura.
A cinza que vi nas suas mãos
era o princípio do país.
Slottet la Coste ligger i ruiner, 1990
retirado do blogue do Amadeu Baptista
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