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quinta-feira, 1 de maio de 2008

Tributo

Era um homem imponente, grandioso mais que grande.
Mas se se quiser usar a palavra grande, era um grande homem. Claro que há tamanhos absolutos e tamanhos relativos. Estamos a considerar os primeiros.
Um homem generoso, inteligente, culto e mais do que tudo isto, sábio.

A sabedoria é um estádio que poucos atingem, só os eleitos. Não tem nada a ver com a inteligência, com os conhecimentos ou com os anos de vida, mas também tem a ver com isto tudo. Esperou todos os anos da sua vida para que o barco capitalista furasse e até se afundasse, para dar vez a outra navegação. Sonhou sempre com a libertação e, felizmente, assistiu à esperança que tal acontecesse - Abril de 1974.

Cultivava o sentido do princípio da diversidade.
Não, não era daqueles que reduzia os amigos do dia-a-dia a um labirinto de contradições,de reduzi-los a um painel de simplicidades, por isso é que o protesto da realidade não se verificava no que respeita ao plano dos factos. A personalidade de cada um era tida em conta, no entanto começava a conversar e daí a nada estava em desacordo com a maioria dos convivas.

Autodidacta,conhecia de trás para a frente a história da Europa, a história da guerra, além de se exprimir em várias línguas.
Dizia que sem luta nada se conseguia, que os trabalhadores para melhorarem a sua condição de governados tinham que contrariar o espírito de certos governantes que gostavam de lhes inculcar a convicção de que não vale a pena caminhar.

Sofria de dores horríveis. Por fim, quase não andava, mas nunca sofreu duma ciática da consciência.

Gostava que todos estudassem e incitava-os a isso. Incitava-os a ser grandes, grandes em tudo.
Sempre se agarrou à força das ideias,nunca combateu para a unanimidade. Sabia que esse conceito não trazia paz, a não ser aos fanáticos.
Amigo do seu amigo. Claro que os afectos se gastam e também neles se escorrega à hora menos pensada, sabia-o, e até deu algumas quedas com fracturas bravas.
Tratava-se de um homem que gostava de conviver com os mais novos, gostava que a juventude lhe batesse à porta, nunca essa porta se fechou. Abria-lhes o coração e dava-lhes o melhor. Deixou-se sempre refrescar pelo orvalho da manhã.
Não evitava as ilusoes para não ter desilusões. Arriscou sempre.

Nunca impõs os seus valores, o que nem sempre é fácil, como todos sabemos.
Nunca utizava o mel da bajulação ou dos interesses como estratégia. Os seus instintos eram activos, viventes e não amestrados.

Uma natureza singular, de facto. Só na intimidade, longe de olhares indiscretos, se queixava das mágoas do corpo, que lhe não davam tréguas. As dores eram constantes e o brufen já de nada valia.Nunca esquecia de todos aqueles que conhecia e gostava. Era fiel à sua memória afectiva. Nunca deixou de lembrar os seus referentes afectivos todos os natais ou em dias festivos, até mesmo os mortos eram lembrados.

Conhecia a pátria magra em que nasceu, mas também os outros, os de fora e admirava-os,em especial, aos alemães, pela força do seu trabalho, pela capacidade da reconstrução do seu país no pós guerra. Mas, claro, o povo russo, esse povo valente que fez com que Hitler perdesse a guerra, merecia da sua parte um viva muito especial.

Pensou sempre que as loucuras da vida não se deviam repetir. Devia-se ser metódico. Na juventude praticavam-se as da juventude e na idade adulta,as da idade adulta.

É preciso que haja sempre no mundo penitentes obstinados, capazes de ilusão até à hora da morte.
Nunca sofreu da cegueira dos iluminados. Abençoou todas as revoluções justas da História. Ficou órfão, como ateu, do Papa João XXIII, que tal como ele abençoou todas as revoluções.Viveu sempre de acordo consigo.


São muitas as saudades.

É longa a viagem que vai da adolescente que fui educada nesta natureza à mulher complicada que sou, carregada de problemas e angústias, mas não podia deixar, nem mais um dia de fora, este tributo.
O que exprimi àcerca do meu herói é apenas uma caricatura do que pretendia dizer, mas posso afirmar que o que sou hoje, o que penso, o que ainda quero ser, se pauta muito por tudo que aprendi com este homem que se chamava e para mim ainda chama JOSÉ MOUTINHO RODRIGUES.

Porque o 1º de Maio de 1974 foi com o 25 de Abril de 1974 talvez o dia mais feliz deste grande homem, aqui estou a emendar a memória. Sem diques de contenção grito OBRIGADO, MUITO OBRIGADO.
VIVA O 1ºDE MAIO.

1 comentário :

Cristóvão Sá Pimenta disse...

Minha cara amiga:

Fizeste com que os meus olhos emudecessem. Ele também nos deu isso, A fragilidade das emoções. Nesse 1º Maio longínquo de 74 estava eu ainda na tropa. Perdi-me no Porto no meio da mole imensa procurando rostos que não encontrei porque eram muitos aqueles que inebriados de alegria cegos estavam da utopia que queriam realizar. E assim nos fomos desencontrando. Procurando cada um o seu caminho.

As saudades que tenho das nossas tertúlias!!! Sinais jurássicos? Não, não. Sim anseios de consciência plena liberta de "ameias e de fronteiras". E assim estamos ainda a crescer. Recordando o Sr. Rodrigues. Também meu pai, que tu não conheceste, mas que, também emocionado, chorou lágrimas em noites desses Abril e Maio distantes. Pensando que valeu a pena ter ido vitoriar Humberto Delgado na sua visita ao Porto. Sabendo que perto tinha a sombra dos "homens de(o)negro".

Obrigado por me teres dado o privilégio de desfrutar do teu texto.